sábado, 19 de junho de 2010

NÃO EXISTE PENA PERPÉTUA NO BRASIL

Johnson Abrantes

A propósito da entrada em vigor da Lei n.º 135/2010, conhecida como “Ficha Limpa”, o TSE tem sido acionado para responder a algumas consultas sobre a sua aplicabilidade a partir da sanção presidencial, ocorrida em 07/06/2010.

Antes de qualquer análise mais profunda, vamos recorrer a Constituição Federal em vigor, para no final tirar as nossas conclusões para os caso concretos.

Diz o artigo 16, da Carta Magna: “A Lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Primeira indagação. A Lei estabelece regras eleitorais? Respondo que sim.porque trata de registros de candidaturas, impugnações, condições de elegibilidade e punições.

Segunda indagação. 2010 é o ano eleitoral? Respondo: alguém duvida que haverá eleições em 03 de outubro de 2010?

Outro aspecto previsto na CF, no artigo 5º, LV: “Aos Litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes”.

Na discussão sobre aplicabilidade da lei “Ficha Limpa”, algum político brasileiro foi acionado para se defender? Não. Existiu debate no TSE sobre algum caso concreto? Afirmo negativamente.

Agora passemos à interpretação daquilo que está sendo objeto de consultas ao TSE.

Inicialmente é necessário ressaltar, por oportuno, que consulta não é acórdão, não é jurisprudência, não é norma. Ela visa, tão somente, elucidar controvérsias. Logo entendo que o pré-julgamento de casos concretos, por leigos ou togados é precipitado, inoportuno e fora de lógica.

Na consulta discutida ontem, dia 17, pelo TSE, alguns questionamentos precisarão ser melhor interpretado. A consulta foi formulada pelo Deputado Federal Ilderlei Cordeiro (PPS), que indagou se “a Lei Eleitoral que altera as causas de inelegibilidade e o período de duração da perda dos direitos políticos se aplicaria aos processos em tramitação, já julgados em grau de recurso, com decisão onde se adotou punição com base na regra legal então vigente”.

O Ministro Marcelo Ribeiro, que é do quinto constitucional da OAB fez uma observação pertinente. Será que inelegibilidade é ou não uma pena. Se for considerada pena, não pode ser aplicada a nova lei, uma vez que o inciso XXXVI, do artigo 5º da CF diz textualmente que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Outro aspecto relevante, que se enquadra na preocupação de alguns, diz respeito ao alcance da lei para a postulação do ex-governador Cássio Cunha Lima. O TSE sinalizou que a lei não prevalece para quem foi cassado através de AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral). Cássio foi cassado e teve sua inelegibilidade decretada por 03 anos, a contar do dia 05 de outubro de 2006; foi cassado, repete-se, numa AIJE, com base na Lei Complementar 64/90, logo, a Lei nova não tem validade para atingir a candidatura de Cássio Cunha Lima. E digo porque: A cassação do ex-Governador se deu pelo “uso promocional de programas de governo (caso FAC) em proveito de sua reeleição”.

Ao contrário do que pensam os “estrategistas governistas”, que dizem que Cássio estaria enquadrado na alínea “J” do inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar 64/90, com as alterações da Lei 135/2010. As alterações da nova Lei estabelecem serem inelegíveis “os que tenham sido julgados e condenados pela Justiça Eleitoral por corrupção eleitoral (art. 299, do Código Eleitoral); captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, da Lei 9.504/97); conduta vedada a agentes públicos em campanha eleitoral (arts. 73 e 77, da Lei 9.504/97), ou por captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A, da Lei 9.504/978), pelo prazo de 08 anos a contar da realização da eleição”.

O ex-Governador foi cassado através de uma AIJE, repita-se, e a Lei não prevê extensão da pena, até porque “a Lei não pode retroagir para prejudicar”. Está escrito na Constituição Brasileira.

Merece relevo nessa discussão, a posição equilibrada do Ministro Marco Aurélio, que também é membro do Supremo Tribunal Federal. Na sua ótica, a Constituição Federal, no seu artigo 16, precisa ser preservada. Disse ele: “não me impressiona a iniciativa do projeto, o fato de ter se logrado em um milhão e setecentas mil assinaturas; não me impressiona porque o povo se submete à Carta da República, a menos que o povo vire a mesa e proceda à revolução rasgando a Carta”.

Outro fato importante é que todos os Ministros do TSE foram unânimes na interpretação da consulta: As causas de inelegibilidade só poderão ocorrer quando do encaminhamento dos registros na Justiça Eleitoral, oportunidade em que será examinado cada caso concreto.

Especificamente no caso da Paraíba, envolvendo Cássio Cunha Lima, uma advertência feita pelo Ministro Marcelo Ribeiro: “não se pode aplicar a nova lei em casos transitados em julgado” e arrematou: “não pode, no curso do processo, mudar a lei, a pena é outra”. E os três Ministros com assento no STF Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Carmen Lúcia, foram unânimes em um ponto: na hipótese de inelegibilidade restar fixado expressamente no acórdão como foi o caso de Cássio, não há mais possibilidade de se aumentar o referido prazo. Isto está expresso no acórdão do TER-PB e também no TSE.

Já o Ministro Marco Aurélio alertou para o fato de fazer valer a Legislação já para outubro próximo, o que pode ser considerado casuísmo, “mesmo que a lei seja boa”. Ele chamou a atenção para o risco de uma “Babel, de uma insegurança jurídica generalizada” em razão de “leis casuísticas, voltadas para situações já identificadas no passado”.

Ainda do Ministro Marcelo Ribeiro: “não se pode passar uma régua na inelegibilidade. Parece-me de uma gravidade enorme isso. É pior do que fazer um novo julgamento, porque num novo julgamento teria o contraditório. Fico impressionado”.

A propósito desse assunto, a Ministra Ellen Gracie, que integra o STF, emitiu um voto na ADIN nº 3.685-8 – DF, reconhecendo que o artigo 16, da CF, está inserido no capítulo que dispõe sobre os direitos políticos enquanto direitos e garantias individuais (art. 5º, parágrafo 2º).

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